O índio e o arqueólogo


A arqueologia é a ciência que estuda os homens e mulheres do passado, através dos vestígios materiais. E aqui no Brasil boa parte de nosso trabalho é recuperar e entender quem eram e como viviam muitos povos que foram exterminados por conta da chegada dos europeus. E quando a arqueologia não estuda os povos que desapareceram por esse motivos, vamos além, e estudamos os povos que antecederam esses, e que são os progenitores culturais para os povos que desapareceram e os povos que ainda lutam e existem até hoje.

A chegada dos europeus trouxe a desgraça e a morte a mais de noventa por cento dos humanos que viviam aqui. Trouxeram a morte, o cristianismo, a sua ciência, por fim, sua cultura, e a impuseram sobre as pessoas que aqui viviam antes de nós. 

O trabalho do arqueólogo é importantíssimo para se fazer valer os direitos indígenas atuais. É um trabalho importante para dar lastro histórico a ocupação das terras indígenas frente os processos de regularização, frente também a campanhas de invisibilidade da causa indígena por exemplo.

E com esse raciocínio, não me deixo de pensar que nós, futuros arqueólogos, somos também a solução, ou ao menos parte dela, ou ao menos auxiliadores, dos processos de construção dos direitos indígenas. Embora obviamente os protagonistas disso são os próprios indígenas, com muitos nomes de reconhecimento internacional pela causa.

E vou além, pois a arqueologia é uma ciência eurocêntrica em sua gênese, e muitas das balizas teóricas e metodológicas que conduzem essa ciência até hoje por aqui, são externas a realidade indígena, pois vem da Europa, ou da América do Norte mais recentemente. Então não me furto de pensar que somos uma solução européia para um problema europeu.

Criamos o problema e vendemos a solução?

Eu como arqueólogo em formação não posso deixar de pensar em todos os desdobramentos que essa ciência pode ter, para o bem e para o mal. Se no passado haviam arqueólogos e antropólogos bem intencionados (para os padrões da época) dizendo que os índios poderiam ser conduzidos a um patamar evolutivo "melhor", e isso legitimava um etnocídio, e muitas vezes genocídios. O que nós, arqueólogos de hoje, estamos fazendo de errado, que daí a cinquenta anos vamos ver que só serviu para justificar algum preconceito, e alguma violação de direitos humanos básicos a outras pessoas?

Há uma responsabilidade muito grande no debate científico e no fazer científico, pois isso se desdobra em discursos políticos, e em novas formas de visão de mundo, ou ajudam a legitimar uma forma de visão de mundo. Nunca pensei no lado cruel que a ciência pode ter.

Temos como evitar isso, ou no final só poderemos dizer que somos frutos do nosso tempo?

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